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CLÍNICAS MÉDICAS E A PEJOTIZAÇÃO TRANSVERSA: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA REDUÇÃO DE ENCARGOS, SEUS REQUISITOS E CONSEQUÊNCIAS

Por Dr. Iran José de Chaves  [1]


[1] Advogado, inscrito na OAB/SC sob o n. 3.232, sócio-diretor do Escritório Chaves de Advocacia. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Pós-graduado em nível de especialização em Direito Tributário pela UFSC. Pós-graduado em nível de especialização em Direito Empresarial pela ESAG/UDESC. Ex-presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/SC.

“Só há duas coisas certas na vida: a morte e os impostos” (Samuel Johnson, pensador inglês do século XVIII). A frase, ainda plena de vigor, parece ser feita sob medida para médicos e profissionais de saúde. Isso porque, além de lidar com situações delicadíssimas que envolvem a preservação da vida e do bem-estar de pacientes, deparam-se com o problema da alta carga tributária do país que levou as clínicas e planos de saúde a introduzir a “pejotização” na classe.

Pejotização é o nome utilizado no meio jurídico para referir-se a fatos praticados em setores da economia, nos quais os salários são considerados altos e impactam na base de cálculo na incidência dos tributos, como soe ser o IRPJ, PIS/COFINS e contribuições previdenciárias devidas ao INSS. Assim, em virtude da crescente profusão de pessoas jurídicas constituídas com este intuito, a Receita Federal colocou em prática entendimento contrário a prestação de serviços exercidos por pessoa física por meio de pessoa jurídica, substituindo uma relação formal de emprego.

Não obstante isso, nosso trabalho vai mais além e alcança outro fato de igual relevância. Trata-se das pessoas físicas que exercem suas atividades mediante subordinação, pessoalidade e remuneração salarial e passam a integrar o quadro societário das clínicas e o fazem com intuito de aparentar, muitas vezes, uma falsa ideia de sócios quotistas, muito embora a flagrante subordinação que acaba por desnaturar a pretendida sociedade, com redução de encargos fiscais e previdenciário.

Do ponto de vista unicamente formal, esse procedimento pretende substituir a eventual relação de emprego por uma relação de sócio da pessoa jurídica. Portanto, deixa ele de prestar serviço como pessoa física e passa a exercer atividade como sócio cotista, com participação nos lucros de forma desproporcional, tendo como parâmetro os serviços por ele executado.

A pretensão das partes, é que o sócio participe dos lucros da empresa e, que na condição de pessoa física não realize serviços a clínica, tal qual regulado pelo Código Civil. Porém, do ponto de vista legal, a prática pode ser encarada como evasão fiscal passível de reprimenda mediante a emissão de auto de infração pela RFB, isso se ficar demonstrado o advento da intenção deliberada de obter proveito fiscal, na medida que mascare uma relação de emprego.

Daí vem a necessidade de constituir uma diretoria administrativa, com a deliberação sobre o gerenciamento da empresa em seus diversos seguimentos; instituir meios e formas de demonstrar a total ausência de subordinação entre uns e outros. Claro que essa subordinação não pode ter feição trabalhista mas, contudo, deve se encaixar nas feições do direito civil, que prescindem de um comando institucional, sem o que a clínica ou qualquer outra empresa, não tem como cumprir os seus fins delineados no contrato social.

Não basta a existência de sócios no contrato social, é fundamental a demonstração que todos atuam e deliberam em nome da sociedade. Sem essa evidencia, a sociedade sujeitar-se-á ao apagamento/recolhimento de FGTS, contribuição previdenciária, férias, décimo terceiro e demais garantias constitucionais e legais, incidentes sobre a distribuição de lucros, pois a fazenda nacional interpretará como simples prestação de serviço pela pessoa física, tributando, inclusive esse sócio com alíquota própria (27,5%). É assim que o fisco tem atuado em diversos seguimentos agora, também, em relação as clínicas médicas.

O presente artigo não tem o intuito de minimizar o alcance da participação singela dos sócios no contrato social, mas demonstrar que a lei permite apenas a elisão fiscal e não a evasão da receita. Logo não adianta aparentar, tem é que demonstrar o exercício pleno da atividade social. Só assim estar-se-á afastando os riscos de se cometer crime contra a ordem tributária e como se prevenir deles.

Como dito alhures, a constituição da pessoa jurídica pelos profissionais da saúde, com a inclusão de todos os seus colaboradores, representa evidente economia de tributo. Se provado, contudo, a existência de subterfúgio, o fisco desclassificará o procedimento suso referido, exigindo tributos e contribuição social.

Esse procedimento servirá de estimulo ao sócio minoritário que poderá reclamar as perdas que alega ter em relação FGTS, férias, décimo terceiro salário, dentre outros, pois o fisco lhe abrir o caminho de reconhecimento do vínculo de emprego. Não há dúvida que o sócio minoritário não vai suportar, sozinho, um ato impositivo fiscal, com graves reflexos em seu patrimônio.

É importante gizar, que a subordinação, pessoalidade e a onerosidade devem ser combatida pela pratica reiterada dos procedimentos previstos no Código Civil. Dessa forma, em exemplo fictício, se o médico que foi incluído no quadro social da clínica, tem seus trabalhos dirigidos por coordenadores de área e diretor da clínica, não atua com autonomia; não pode fixar quantos pacientes atenderá e em qual horário, ou ainda fixar o valor da consulta.

Isso é subordinação! A impossibilidade de substituição do profissional de acordo com a vontade da pessoa jurídica; eventual troca de plantão, se constitui em liberalidade plena do sócio que deve ser exercida sem restrições.

É importante que se registre: O sócio não recebe salário, mas distribuição de lucro e participa das deliberações da sociedade e das despesas de manutenção da pessoa jurídica. Isto tem que ficar muito bem evidenciado no acordo de sócios, sob pena de se aplicar o princípio da primazia da realidade que conduz, inexoravelmente, a constatação de vínculo de emprego partir dos fatos. Neste caso o que merece destaque será a existência dos fatos e não a denominação que as partes lhes atribuam. [1]

Ora, se a relação entre os sócios deve ser real, com participação societária de fato, é necessário observar com precisão a forma de distribuição dos lucros prevista no contrato social ou no acordo de sócios, como meio de evitar a tributação do Imposto de Renda sobre valores considerados pelo fisco como pagamento pela prestação do serviço.

Isso é, se no contrato social o sócio detém uma parcela ínfima de cotas, mas é remunerado pelo valor total do serviço prestado, a Receita reclassifica a diferença entre o valor correspondente às cotas e ao de fato percebido pelo sócio e submete a tributação de IRPF com a incidência da multa majorada de 150%. Portanto, não basta a aparência de sócio, deve a sociedade atuar e remunerar seus sócios nos estritos termos da lei, do contrato social e do acordo de sócios, justamente para evitar a imputação de fraude ao sistema tributário.

A Lei 8.137/1990 define as condutas que caracterizam crimes contra a ordem tributária. Em seu artigo 2º, inciso I, está dito que constitui crime fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos para eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributo. Diante disso, indaga-se: Quem praticou a fraude, cujo resultado foi a redução no pagamento dos tributos? A direção da clínica? Os sócios da clínica médica?

A resposta não comporta delongas! Todos aqueles que falsearam os fatos com o objetivo de diminuir a tributação, isto é, o sócio que exerce a direção da clínica; o sócio administrador da pessoa jurídica e outros que não participam da administração, mas obtiveram benefício com a pratica reprovável de evasão, serão responsabilizados, mas somente aqueles que tiveram participação direta no advento dos fatos ditos delituosos, responderão por crime de sonegação fiscal.

Aí vêm as elucubrações: “Mas como eu cometi crime?” – diriam alguns dos sócios da clínica. “Se eu não aceitasse as regras do mercado, ou seja, a participação simbólica no contrato social da clínica, seria incogitável a contratação para exercer a medicina naquela ou em outra clínica”, diriam outros. Em verdade, a alegação até procede e seria reconhecida pela maioria dos profissionais da saúde.

Porém, a carreira de médico, ainda possui elevado destaque social e não se aplicam a elas o conceito de hipossuficientes, razão porque será ele responsabilizado pelos atos praticados pela sociedade.

Não há como ignorar, que a participação societária nos moldes aqui delineados, tem colaborado para a diminuição da receita tributária e previdenciária e, por isso, há um esforço fiscalizatório na área médica, razão que exige redobrada atenção aos procedimentos adotados.

Havendo a fiscalização da RFB e constatada a existência de contratação simulada via contrato social da clínica, com o intuito de afastar a relação de emprego e, por consequência economizar tributos, a autoridade administrativa fará, seguramente, representação para fins penais. [2]

Não obstantes estes fatos e fundamentos, confortados pela doutrina e jurisprudência, tem-se que a saída jurídica para minimizar os riscos, está relacionado com a constituição de empresa com affectio societatis, identificada por uma verdadeira sociedade de médicos que por ato de vontade, desejem unir-se e empreender, com estrutura física e carteira e clientes. Quanto mais protegida estiver a relação entre a clínica e os seus sócios, menor será a incidência de problemas jurídico-fiscais.

Ao arremate, cumpre consignar que a forma de se organizar uma sociedade nos moldes supra, corresponde às previstas no Código Civil (sociedade empresária limitada, EIRELI, sociedade anônima e associação, ou mesmo cooperativas). Portanto, é preciso ter muito cuidado na redação do contrato, optando por profissional que tenha conhecimento das regras gerais e também as específicas para a área de saúde, bem como utilizando-se da indispensável paridade com ausência de subordinação.


[1] TRT/SP nº 0001284-42.2014.5.02.0076 – 20150031254

[2] Portaria RFB 2439/10, disponível no endereço eletrônico da Receita Federal do Brasil. http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=30572

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FRAUDE À EXECUÇÃO x FRAUDE CONTRA CREDORES: BREVES COMENTÁRIOS E PRINCIPAIS DIFERENCIAÇÕES

Por Dra. Morgana Vargas de Lima [1]

Adaptado.


[1] Advogada associada do Escritório Chaves de Advocacia entre 2016/2017. Graduada em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC. Pós-graduada em Direito Público e Aplicado pela FURB (ESMESC). 

A fraude à execução é instituto previsto pelo Código de Processo Civil, tratando-se de espécie de ato fraudulento que gera prejuízo ao credor e atenta contra o próprio judiciário.

O instituto da fraude à execução é distinto daquela fraude contra credores, sendo a última regulada pelo Código Civil e atingindo apenas interesses privados dos envolvidos (arts. 158 e 159 do Código Civil). Na primeira, por sua vez, o ato do devedor executado viola a própria atividade jurisdicional do Estado (THEODORO JR., 2016).

Conforme entendimento do STJ (súmula 195), somente a fraude à execução pode ser reconhecida em embargos de terceiro, diferente da fraude contra credores que só poderá ser declarada em ação própria, denominada como ação pauliana (GONÇALVES, 2016).

Ensina Marcus Vinicius Rios Gonçalves que a principal diferença a ser destacada é no sentido de que na fraude contra credores, a alienação é feita quando ainda não havia ação em curso, ao passo que a fraude à execução só existe se a ação já estava em andamento (GONÇALVES, 2016).

Os requisitos para o reconhecimento da fraude à execução são a existência de um processo judicial entre credor e devedor, a prática de atos de alienação de bens por parte do executado que o reduzam a insolvência e tornem ineficaz a tutela executiva, além da preservação do terceiro adquirente de boa-fé, mediante necessidade de comprovação, pelo exequente, da intenção do terceiro em fraudar a execução.

Salienta Gonçalves que não é necessário que o processo existente seja de execução, como poder-se-ia supor por conta do nome. Pode-se verificar a fraude à execução se a alienação ocorrer em qualquer tipo de processo pendente, seja de conhecimento ou execução (GONÇALVES, 2016).

Desta maneira, a insolvência do executado deve ocorrer após o início do processo (a partir da citação da fase cognitiva), quando na execução não forem encontrados bens (nem indicados pelo executado) devido a alienação dos mesmos durante o processo (não só durante a execução, mas também da fase cognitiva).

No que tange a preservação do terceiro adquirente de boa-fé, o Superior Tribunal de Justiça garante a sua proteção, entendendo por não haver ineficácia do ato praticado em fraude à execução se o adquirente demonstrar boa-fé (NEVES, 2016). As hipóteses de alienação em fraude à execução encontram-se previstas no art. 792 do Código de Processo Civil.

Nestes casos em específico, seja qual for a hipótese, deve o juiz reconhecer a fraude à execução, resultando na possibilidade de penhora de bens ou até mesmo desfazimento de negócio ocorrido, desde que comprovado o evento fraudulento, preservado em todos os eventos o terceiro de boa-fé.

REFERÊNCIAS:

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2016. Versão digital Epub.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Versão digital Epub.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. Versão digital Epub.

THEODORO JR., Humberto. Curso Processual Civil: Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e processo comum. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. Versão digital Epub.